terça-feira, 15 de setembro de 2009

Parolagens

Passam os tempos escorregando pelas horas
Os dias continuam os mesmos
As pessoas continuam as mesmas
Insistência nos mesmos...
Erros? Acertos? Quem os diz que são?
E por que devem ser vistos como um ou outro?
Por que julgamos tanto?


Às vezes se é melhor não pensar em nada
Apenas contemplar as águas que saem sabe-se lá donde
Chegam sabe-se lá por quê
E não se vão


Já desisti de querer entender descaminhos
Há o que não se tenha explicação,
Mas não posso dizer que as aceito
Essas não explicações, não compreensões
Por isso persiste a dúvida
Mas o pior é o silêncio da resposta
São como chuvas em setembro.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Algumas considerações sobre o direito à comunicação (Parte I)

"A comunicação entre pessoas e seus meios na sua dimensão interpessoal e coletiva, através do uso da palavra, estruturadora da linguagem, por sua vez concretizadora do discurso, funcionou como um fio condutor para a afirmação da humanidade como um grupo de animais que sente, pensa, intercambia subjetividades, AGE E REAGE na relação com o outro e com a natureza, formando uma teia de pensamentos e aconteciemntos construída entre CONSENSOS E CONFLITOS."

Raimunda Aline Lucena Gomes.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Pesadelo

O que há em seus olhos que os deixam cinza, criança?
Cinzas do Mar de irrealidades
Cinzas da crença irredutível
Cinzas da não-dúvida
Cinzas do silêncio

Pra onde você está olhando agora?
Você está aqui?
Não, não está
Aliás não está em nenhum lugar... no nada

Nada e busca emergir desse turbilhão que te tem afogado
Cadê as suas forças?
O que você busca?
Você desistiu?

Pense
O mar é seu, criado por você
Aprenda que o viver é isso
Decisões e conseqüências são uma só
Reflita sempre, sempre, sempre, criança

Não temos uma segunda chance no ato
Só poderá ser feita uma escolha
E esta é irredutível
Já aconteceu? Não se pode voltar?
Cresça, criança, cresça!

Já não existem somente risos espontâneos
Já não existem choros translúcidos
Nem olhos em cores expressivas
Vamos, veja se você consegue

Emirja. Logo! Vamos! Não há tempo!
Não há tempo
Já está mais do que tarde
Já é tempo de acordar

quinta-feira, 26 de março de 2009

Conhecendo-me

Percebi que detesto meias de palavras, meias de conversas, meias de “verdades”. São meias que muitos vestem para encobrir o que deve ser transparente, são meias deixadas ao meio por isso incompletas, já fui assim decidi que não serei mais. Não achem que de mim tudo conhecem da mesma forma não conheço todos por completo, somos imensos mais do que podemos tocar, ver, existem outros de nós que até nós desconhecemos ou fazemos questão de não conhecer. Talvez uns prefiram esconderijos, eu já não sei se isso de fato auxilia em algo, só deva frustrar, entristecer, deixar turvas as águas que os regam e que com o passar das horas deformam o rosto. Qual o problema em deixar que os pés sintam? Que sintam a terra, a pedra, o sol ao meio-dia, a sombra, a água, o refrescante e não só isso que sintam as dores dos machucados que de vez em quando por distração ou mesmo por não conseguir enxergar entre as horas mais claras acontecem. É importante que não sigamos as rotas principais sempre, não há humor, aprendizado, História se não houver desvios. Que eu ande por aclives que tanto nos custam as forças apenas para ter o privilégio de poder deleitar-se em belíssimas paisagens até cansarem os olhos ou sentir o abraçar do vento como se pudéssemos ser levados por ele sem previsão de rota ou chegada. Ou por declives constantemente enfrentados, contudo não definitivos nem ao menos demérito, se é trilhado um caminho sem retornos não veremos as mesmas paisagens sempre e nem por isso deixarão de nos presentear com memórias que nos causam distintas sensações e quando relembro dou boas risadas sabendo que não mais a percorrerei; o que importa é a existência e sim elas existiram, só não as encobrirei de auto-piedade. Se fiz é responsabilidade minha, se é comigo que acontece ou eu que provoquei assumo. Que mal há?

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Parolagem da Vida - Carlos Drummond de Andrade



Como a vida muda.
Como a vida é muda.
Como a vida é nula.
Como a vida é nada.
Como a vida é tudo.
Tudo que se perde
mesmo sem ter ganho.
Como a vida é senha
de outra vida nova
que envelhece antes
de romper o novo.
Como a vida é outra
sempre outra, outra
não a que é vivida.
Como a vida é vida
ainda quando morte
esculpida em vida.
Como a vida é forte
em suas algemas.
Como dói a vida
quando tira a veste
de prata celeste.
Como a vida é isto
misturado àquilo.
Como a vida é bela
sendo uma pantera
de garra quebrada.
Como a vida é louca
estúpida, mouca
e no entanto chama
a torrar-se em chama.
Como a vida chora
de saber que é vida
e nunca nunca nunca
leva a sério o homem,
esse lobisomem.
Como a vida ri
a cada manhã
de seu próprio absurdo
e a cada momento
dá de novo a todos
uma prenda estranha.
Como a vida joga
de paz e de guerra
povoando a terra
de leis e fantasmas.
Como a vida toca
seu gasto realejo
fazendo da valsa
um puro Vivaldi.
Como a vida vale
mais que a própria vida
sempre renascida
em flor e formiga
em seixo rolado
peito desolado
coração amante.
E como se salva
a uma só palavra
escrita no sangue
desde o nascimento:
amor, vidamor!

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Nosso Tempo Carlos: Drummond de Andrade

I

Este é tempo de partido,

tempo de homens partidos.

Em vão percorremos volumes,

viajamos e nos colorimos.

A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.

Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.

As leis não bastam. Os lírios não nascem

da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.

Visito os fatos, não te encontro.

Onde te ocultas, precária síntese,

penhor de meu sono, luz

dormindo acesa na varanda?

Miúdas certezas de empréstimo, nenhum beijo

sobe ao ombro para contar-me

a cidade dos homens completos.

Calo-me, espero, decifro.

As coisas talvez melhorem.

São tão fortes as coisas!

Mas eu não sou as coisas e me revolto.

Tenho palavras em mim buscando canal,

são roucas e duras,

irritadas, enérgicas,

comprimidas há tanto tempo,

perderam o sentido, apenas querem explodir.

II

Este é tempo de divisas,

tempo de gente cortada.

De mãos viajando sem braços,

obscenos gestos avulsos.

Mudou-se a rua da infância.

E o vestido vermelho

Vermelho

cobre a nudez do amor,

ao relento, no vale.

Símbolos obscuros se multiplicam.

Guerra, verdade, flores?

Dos laboratórios platônicos mobilizados

vem um sopro que cresta as faces

e dissipa, na praia, as palavras.

A escuridão estende-se mas não elimina

o sucedâneo da estrela nas mãos.

Certas partes de nós como brilham! São unhas,

anéis, pérolas, cigarros, lanternas,

são partes mais íntimas,

a pulsação, o ofego,

e o ar da noite é o estritamente necessário

para continuar, e continuamos.

III

E continuamos. É tempo de muletas.

Tempo de mortos faladores

e velhas paralíticas, nostálgicas de bailado,

mas ainda é tempo de viver e contar.

Certas histórias não se perderam.

Conheço bem esta casa,

pela direita entra-se, pela esquerda sobe-se,

a sala grande conduz a quartos terríveis,

como o do enterro que não foi feito, do corpo esquecido na mesa,

conduz à copa de frutas ácidas,

ao claro jardim central, à água

que goteja e segreda

o incesto, a bênção, a partida,

conduz às celas fechadas, que contêm:

papéis?

crimes?

moedas?

o conta, velha preta, ó jornalista, poeta, pequeno historiador urbano,

ó surdo-mudo, depositário de meus desfalecimentos, abre-te e conta,

moça presa na memória, velho aleijado, baratas dos arquivos, portas rangentes, solidão e asco,

pessoas e coisas enigmáticas, contai,

capa de poeira dos pianos desmantelados, contai;

velhos selos do imperador, aparelhos de porcelana partidos, contai;

ossos na rua, fragmentos de jornal, colchetes no chão da costureira, luto no braço, pombas, cães errântes, animais caçados, contai.

Tudo tão difícil depois que vos calastes...

E muitos de vós nunca se abriram.

IV

É tempo de meio silêncio,

de boca gelada e murmúrio,

palavra indireta, aviso

na esquina. Tempo de cinco sentidos

num só. O espião janta conosco.

É tempo de cortinas pardas,

de céu neutro, política

na maçã, no santo, no gozo,

amor e desamor, cólera

branda, gim com água tônica,

olhos pintados,

dentes de vidro,

grotesca língua torcida.

A isso chamamos: balanço.

No beco,

apenas um muro,

sobre ele a polícia.

No céu da propaganda

aves anunciam

a glória.

No quarto,

irrisão e três colarinhos sujos.

V

Escuta a hora formidável do almoço

na cidade. Os escritórios, num passe, esvaziam-se.

As bocas sugam um rio de carne, legumes e tortas vitaminosas.

Salta depressa do mar a bandeja de peixes argênteos!

Os subterrâneos da tome choram caldo de sopa,

olhos líquidos de cão através do vidro devoram teu osso.

Come, braço mecânico, alimenta-te, mão de papel, é tempo de comida,

mais tarde será o de amor.

Lentamente os escritórios se recuperam, e os negócios, forma indecisa, evoluem.

O esplêndido negócio insinua-se no tráfego.

Multidões que o cruzam não vêem. É sem cor e sem cheiro.

Está dissimulado no bonde, por trás da brisa do sul,

vem na areia, no telefone, na batalha de aviões,

toma conta de tua alma e dela extrai uma porcentagem.

Escuta a hora espandongada da volta.

Homem depois de homem, mulher, criança, homem,

roupa, cigarro, chapéu, roupa, roupa, roupa,

homem, homem, mulher, homem, mulher, roupa, homem

imaginam esperar qualquer coisa,

e se quedam mudos, escoam-se passo a passo, sentam-se,

últimos servos do negócio, imaginam voltar para casa,

já noite, entre muros apagados, numa suposta cidade, imaginam.

Escuta a pequena hora noturna de compensação, leituras, apelo ao cassino, passeio na praia,

o corpo ao lado do corpo, afinal distendido,

com as calças despido o incômodo pensamento de escravo,

escuta o corpo ranger, enlaçar, refluir,

errar em objetos remotos e, sob eles soterrado sem dor,

confiar-se ao que-bem-me-importa

do sono.

Escuta o horrível emprego do dia

em todos os países de fala humana,

a falsificação das palavras pingando nos jornais,

o mundo irreal dos cartórios onde a propriedade é um bolo com flores,

os bancos triturando suavemente o pescoço do açúcar,

a constelação das formigas e usurários,

a má poesia, o mau romance,

os frágeis que se entregam à proteção do basilisco,

o homem feio, de mortal feiúra,

passeando de bote

num sinistro crepúsculo de sábado.

VI

Nos porões da família,

orquídeas e opções

de compra e desquite.

A gravidez elétrica

já não traz delíquios.

Crianças alérgicas

trocam-se; reformam-se.

Há uma implacável

guerra às baratas.

Contam-se histórias

por correspondência.

A mesa reúne

um copo, uma faca,

e a cama devora

tua solidão.

Salva-se a honra

e a herança do gado.

VII

Ou não se salva, e é o mesmo. Há soluções, há bálsamos

para cada hora e dor. Há fortes bálsamos,

dores de classe, de sangrenta fúria

e plácido rosto. E há. mínimos

bálsamos, recalcadas dores ignóbeis,

lesões que nenhum governo autoriza,

não obstante doem,

melancolias insubornáveis,

ira, reprovação, desgosto

desse chapéu velho, da rua lodosa, do Estado.

Há o pranto no teatro,

no palco? no público? nas poltronas?

há sobretudo o pranto no teatro,

já tarde, já confuso,

ele embacia as luzes, se engolfa no linóleo,

vai minar nos armazéns, nos becos coloniais onde passeiam ratos noturnos,

vai molhar, na roça madura, o milho ondulante,

e secar ao sol, em poça amarga.

E dentro do pranto minha face trocista,

meu olho que ri e despreza,

minha repugnância total por vosso lirismo deteriorado,

que polui a essência mesma dos diamantes.

VIII

O poeta

declina de toda responsabilidade

na marcha do mundo capitalista

e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas

promete ajudar

a destruí-lo

como uma pedreira, uma floresta,

um verme.